domingo, 12 de agosto de 2007

Barthes/Antonioni


Penso em Matisse desenhando uma oliveira, de sua cama e, ao cabo de certo tempo, observando os vazios existentes entre os galhos, para descobrir que, com essa nova visão, escapava à imagem habitual do objeto desenhado, ao clichê "oliveira".Matisse descobria assim o princípio da arte oriental, que quer sempre pintar o vazio, ou melhor, que capta o objeto figurável no momento raro em que o pleno de sua identidade cai bruscamente num novo espaço, o do Interstício.De certa maneira, sua arte também é uma arte do Interstício ("A Aventura" seria a demonstração cabal dessa afirmação), portanto, de certa maneira também, sua arte tem alguma relação com o Oriente.
[...]

Caro Antonioni, tentei dizer com minha linguagem intelectual as razões que fazem de você, para além do cinema, um dos artistas de nosso tempo. Esse cumprimento não é simples, você sabe, pois ser artista hoje é uma situação não mais sustentada pela bela consciência de uma grande função sagrada ou social; já não é assumir, serenamente, um lugar no Panteão burguês dos Luminares da Humanidade; é, no momento de cada obra, precisar enfrentar em si mesmo os espectros da subjetividade moderna -pois já não se é sacerdote-, que são o desalento ideológico, a consciência social pesada, a atração e a aversão pela arte fácil, o tremor da responsabilidade, o incessante escrúpulo que dilacera o artista entre a solidão e o gregarismo. Cabe-lhe hoje, portanto, aproveitar este momento tranqüilo, harmonioso, reconciliado, em que toda uma coletividade está de acordo no reconhecimento, na admiração, no amor à sua obra. Pois amanhã recomeça o trabalho duro.

Roland Barthes sobre Michelangelo Antonioni




Nenhum comentário: